O Escriba: Mais que um título, múltiplas profissões

Na época da antiga civilização egípcia existiram diversas profissões e cada uma tinha a sua importância. Muitas delas existem até hoje, como por exemplo, a profissão de médico.

Ao contrário do que se pensa, escriba era um título e não uma profissão. A partir do título de escriba é que se tornava possível exercer algumas profissões.

O escriba foi muito importante porque ele era o responsável pela escrita. Era ele que registrava os acontecimentos daquela época, escrevia sobre a vida do faráo e redigia documentos administrativos. Dentre tantos cargos que necessitavam saber ler e escrever, o escriba podia exercer funções como contador, arquivista, copista, secretário, administrador de grandes propriedades, coleta de impostos, etc. Esse profissional era muito bem visto, afinal, a sociedade egípcia em sua maioria, era analfabeta. Esse título tinha tanto prestígio, que na hierarquia da sociedade, ficava atrás apenas do faraó e sacerdote. E somente o escriba podia seguir uma carreira no serviço público do Egito, afinal a escrita era o meio necessário para se ter uma profissão especializada.

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Estátua de calcário do inspetor de escribas Sekhemka da 5ª dinastia. Fotógrafo desconhecido, Christie's.

Como tantas outras funções, a do escriba era hereditária, ou seja, passava de pai para filho. Quando um escriba tinha um filho, já era esperado que esse filho aprenderia e seguiria os passos do pai. Mas dominar a arte da escrita naquela época só era acessível para a classe mais rica da sociedade, que podia fazer esse investimento. Uma pessoa mais humilde só teria esse tipo de chance se fosse por algum motivo, patrocinada por alguém com recursos financeiros.

Estátua de calcário do inspetor de escribas Sekhemka da 5ª dinastia. Fotógrafo desconhecido, Christie's.

Estátua de calcário do inspetor de escribas Sekhemka da 5ª dinastia. Fotógrafo desconhecido, Christie's.

Estátua de calcário do inspetor de escribas Sekhemka da 5ª dinastia. Fotógrafo desconhecido, Christie's.

Estátua de calcário do inspetor de escribas Sekhemka da 5ª dinastia. Fotógrafo desconhecido, Christie's.

Apesar do prestígio, tornar-se um escriba não era fácil. Os aprendizes a escriba eram levados para um estábulo (uma espécie de internato) e começavam a aprender ainda jovem, aos 6 anos, e tinham que dominar diversos tipos de conhecimento, como ler, escrever, desenhar, matemática, processos administrativos, mecânica, agrimensura, etc. O processo de aprendizado estendia-se até os vinte e um anos.

Durante os vários anos de estudos, esses jovens eram incentivados a dominar o conhecimento para poder ser alguém importante e respeitado posteriormente. Esses alunos enquanto estavam aprendendo, copiavam diversos textos que tratavam desse assunto, como por exemplo, textos da "Sátira dos Ofícios" que são uma espécie de "Textos de sabedoria" que datam do Reino Médio, entre 2025 e 1700 a.C.. Na época Ramessida (1300-1075 a.C.), esses textos foram muito utilizados. Veja alguns trechos desses textos, segundo o site History Today:

Trecho 1:

"Já vi muitas surras - coloque seu coração nos livros! Tenho observado aqueles que são recrutados para o trabalho - não há nada melhor do que livros! É [escriba] o maior de todos os chamados, não há nenhum igual em toda a terra". (HISTORY TODAY,2019).

Trecho 2:

"O escriba dirige o trabalho do povo. Para ele não há impostos, pois ele paga seu tributo por escrito ... Ponha uma escrita no seu coração para que você possa se proteger de qualquer tipo de trabalho forçado e se tornar um magistrado respeitado". (HISTORY TODAY,2019).

Trecho 3:

"Não fique ocioso ou perca seu tempo. Não se entregue aos prazeres, isso será sua ruína. Escreva com a mão, leia com a boca e peça conselhos aos superiores. Um escriba hábil em sua vocação, um mestre em educação, é muito afortunado. Persevere ... não gaste um momento em ociosidade ou será espancado. A orelha de um menino está em suas costas; ele só ouve quando é espancado. Leve essas palavras a sério para o seu próprio bem". (HISTORY TODAY,2019).

O estudo de um escriba iniciava com princípios básicos da escrita hierática e o tempo em que se dedicavam ao estudo resultava na função em que poderiam ocupar no futuro. Os que estudavam por aproximadamente cinco ou seis anos, por exemplo, só aprendiam o básico da escrita hieróglifa.

Durante o processo de aprendizado, os alunos recebiam diversos textos para copiar, onde treinavam a caligrafia hierática em cartas básicas, relatórios e contratos. A correção feita pelo tutor (professor) era adicionada em vermelho.

Estátua de um escriba do Novo Império do Museu do Cairo. Fotógrafo Christophel Fine Art, Getty Images.

Um conhecimento mais elevado, exigia mais dedicação do aluno. Segundo explicação do site History Today, essa fase consistia em: "Um "dicionário" escolar de hieróglifos com seus equivalentes hieráticos mostra que um conhecimento de mais de 450 símbolos era necessário para fins de escrita do dia-a-dia. As lições de manutenção de registros, arquivamento e etiquetagem permitiam que qualquer escriba semicompetente desempenhasse a mais essencial de todas as funções de escriba: a elaboração e atualização de listas. Para profissões como as de funcionário do governo, sacerdote ou advogado, um escriba treinaria por vários anos mais, aumentando seu vocabulário para talvez mil ou mais símbolos. Aqueles com as melhores habilidades de caligrafia ou desenho podem seguir o ofício de criar cópias belamente ilustradas de textos funerários, comumente chamados de Livros dos Mortos. Outros podem se tornar desenhistas, artistas ou arquitetos. Os médicos compilaram suas próprias coleções de receitas de medicamentos, tratamentos e encantamentos associados, muitos copiados de textos encontrados na Casa da Vida, a biblioteca do templo. Os advogados deveriam estar familiarizados com o corpus de leis civis e religiosas e precedentes encontrados nos registros oficiais, que eram administrados por arquivistas. A sociedade burocrática egípcia dependia das habilidades de um exército de escribas de todas as categorias, desde o escriturário até o assessor de impostos. Para os jovens egípcios, 'ser um escriba' era o melhor conselho de carreira.". (HISTORY TODAY,2019).

Escribas registrando a colheita na Tumba de Menna - 18ª dinastia. Fotógrafo desconhecido, History Today.

Quando o aprendiz passava a ser um escriba profissional, era comum ele se candidatar a uma classe oficial culta, para poder exercer serviços de grande destaque na sociedade, com por exemplo, conhecedor da escrita demótica e hieroglífica.

Haviam três tipos de escrita, hieróglifo, hierática e demótica.

O hieróglifo, que foi descoberto por Jean-François Champollion em 1823, era escrito através de símbolos. Essa escrita foi muito usada em templos, tumbas funerárias e papiros funerários.

A escrita hierática, uma versão abreviada da escrita hieroglífica, é uma forma de escrita cursiva, onde se escreve da direita para a esquerda, era utilizada para fins comerciais.

E a escrita demótica, era a escrita mais simples e popular utilizada para escritos de menor importância.

Estátua de granito vermelho do escriba Dersenedj da 5ª dinastia. Fotógrafo desconhecido, Tumblr.

É comum encontrar estátua de escriba com uma representação do profissional sentado. Isso se deve ao fato de que para escrever, o escriba sentava de pernas cruzadas e como usavam saiotes, essa posição gerava uma espécie de mesa, em seguida estendia o papiro por cima e com o auxílio de uma paleta, geralmente um retângulo estreito feito de madeira com duas ou mais cavidades para colocar tinta (geralmente preto e vermelho) e uma ranhura para pincel, começava o seu trabalho. Outro item que fazia parte da ferramenta de trabalho do escriba era uma bolsa de couro ou um pote cheio de água.

Escriba desconhecido. Fotógrafo desconhecido, Museu Egípcio e Rosacruz Tutankhamon.

Paleta de escriba em nome de Rennefer e Imenhetep do Musée du Louvre. Fotógrafo Georges Poncet, Musée du Louvre.

As cores utilizadas eram produzidas da seguinte forma: "O vermelho e o amarelo eram obtidos do óxido de ferro ou ocre, o preto do carbono e o branco do carbonato de cálcio ou sulfato de cálcio. O azul e o verde eram produzidos a partir de um composto de sílica, cobre e cálcio. Os compostos eram misturados com uma variedade de ligantes, incluindo água, goma, gelatina, cera e clara de ovo. A tinta era aplicada com pincéis e linhas finas eram frequentemente desenhadas com varas de madeira". (Canadian Museum of History).

Paleta de madeira da 6ª dinastia do escriba Shemaba - Museu Britânico. Fotógrafo desconhecido, The British Museum.

Paleta de madeira da 6ª dinastia do escriba Shemaba - Museu Britânico. Fotógrafo desconhecido, The British Museum.

Paleta de madeira da 6ª dinastia do escriba Shemaba - Museu Britânico. Fotógrafo desconhecido, The British Museum.

Como a maioria das coisas no antigo Egito, a religião estava presente nessa área, afinal o Deus Toth era considerado como uma divindade padroeira dos escribas e o inventor da escrita. É por esse motivo que existia uma oração que invocava o Deus Toth pelos escribas, que segundo o site History Today, diz o seguinte: "Venha até mim, Thoth, ó nobre íbis ... Venha até mim e dê-me um conselho para me tornar hábil em seu chamado. Aquele que o domina está apto a ocupar um cargo ... O destino e a fortuna podem ser encontrados com você". (HISTORY TODAY,2019).

Estátua feita pelo escriba Tchai ao Deus Thoth, representado como um babuíno. Fotógrafo desconhecido, History Today.

Conheça mais alguns artefatos sobre esse tema:

Estátua de um escriba

Essa estátua de escriba de 12,5 cm de altura do Museu Metropolitano de Arte de Nova York (The Metropolitan Museum of Art New York), é do Reino Novo, 18ª dinastia (1391–1353 a.C.), e remonta ao reinado dos faraós Amenhotep II e Amenhotep III.

A representação dessa estátua é explicada pelo Museu Metropolitando de Arte de Nova York, da seguinte forma: "Seu kilt é puxado firmemente em torno dos joelhos para criar uma superfície plana no qual ele escreve. Ele seguraria um pincel de junco com a mão direita e desenrolaria o papiro com a esquerda. As rugas profundas em seu peito indicam que ele não é mais um jovem". (THE METROPOLITAN MUSEUM OF ART NEW YORK).

Estátua de escriba com mais idade. Fotógrafo desconhecido, The Metropolitan Museum of Art New York.

Estátua de escriba com mais idade. Fotógrafo desconhecido, The Metropolitan Museum of Art New York.

Estátua de escriba com mais idade. Fotógrafo desconhecido, The Metropolitan Museum of Art New York.

Estátua do escriba Pesshuper

Essa estátua de escriba do Museu Britânico (The British Museum), da 25ª dinastia, feita em quartzito vermelho é do alto funcionário tebano Pesshuper. Ela tem 54,60 centímetros de altura, 33 centímetros de largura e 36 centímetros de profundidade.

O museu a descreve da seguinte forma: "Os textos hieroglíficos são gravados no pedestal, no rolo de papiro no colo de Pesshuper e na coluna posterior da estátua. O braço esquerdo de Pesshuper, que segura o rolo, está danificado. Em seu joelho está um recipiente em forma de concha com tinteiros, e sobre seu ombro esquerdo está pendurado o hieróglifo que representa o equipamento do escriba. No rolo, a tradicional invocação funerária é inscrita em linhas verticais para ser lida pela estátua e não pelo espectador. No braço direito está escrito o cartucho de sua padroeira. Outras invocações funerárias são escritas em seu kilt em oito linhas verticais e ao redor do pedestal, em uma única linha horizontal. Mais três linhas verticais (da direita para a esquerda) estão inscritas no pilar posterior". (THE BRITISH MUSEUM).

Estátua do escriba Pesshuper. Fotógrafo desconhecido, The British Museum.

Estátua do escriba Pesshuper. Fotógrafo desconhecido, The British Museum.

Estátua do escriba Pesshuper. Fotógrafo desconhecido, The British Museum.

Estátua do escriba Pesshuper. Fotógrafo desconhecido, The British Museum.

Estátua do escriba Pesshuper. Fotógrafo desconhecido, The British Museum.

Paleta do escriba Meryra

Essa paleta do escriba Meryra, do Museu Britânico (The British Museum), feita em madeira com 33,10 centímetros de comprimento, 0,60 centímetros de largura, 6,90 centímetros de profundidade e com um peso de 115 gramas, é da 18ª dinastia e tem o cartucho com o nome do faraó Tutmés IV. Acredita-se que ela seja proveniente de Saqqara.

Essa paleta tem duas bandejas de tinta, o que a torna rara. Não é comum encontrar uma peça como essa.

O museu a descreve da seguinte maneira: "Seria de se esperar que os quatorze buracos aqui contivessem cores diferentes. Essa paleta, no entanto, possui traços apenas de preto e vermelho ao redor dos quatro poços mais baixos do lado direito e no slot da caneta, onde o predomínio do preto na parte superior e vermelho na parte inferior sugere que duas pontas de uma única caneta foram usadas para as duas cores e que as canetas foram substituídas no slot com a ponta preta usada com mais frequência para cima. O nome de Tutmés IV aparece em um cartucho no topo da paleta. Ao longo das laterais, com seu nome e título, estão orações funerárias dirigidas ao deuses Amon e Thoth. Estas foram inscritas, como a linha inferior nos diz, pelo próprio escriba Meryra". (THE BRITISH MUSEUM).

Paleta do escriba Meryra com cartucho com o nome do faraó Tutmés IV. Fotógrafo desconhecido, The British Museum.

Paleta do escriba Meryra com cartucho com o nome do faraó Tutmés IV. Fotógrafo desconhecido, The British Museum.

Paleta do escriba Pamerihu

Essa paleta de madeira da 18ª dinastia, do Museu Britânico (The British Museum), pertence ao escriba Pamerihu e tem no cartucho o nome do faraó Amenhotep III. Ela tem 36 centímetros de comprimento com as varas de madeira e 30,50 centímetros de comprimento sem as varas e 4,50 centímetros de largura.

Paleta do escriba Pamerihu com cartucho com o nome do faraó Amenhotep III. Fotógrafo desconhecido, The British Museum.

Enfim podemos concluir que o escriba como braço direito do faraó foi de suma importância para a civilização egípcia, registrando desde textos sagrados, administrativos e históricos até propaganda como as vitórias em guerras, cumprindo assim um papel importantíssimo tanto para a civilização egípcia daquela época quanto para as civilizações posteriores. Graças a essa figura tão emblemática, temos a oportunidade de compreender melhor como essa civilização cresceu, evoluiu e por fim, padeceu, deixando toda sua glória esculpida, pintada, erigida e escrita nos templos, nas tumbas, esculturas, mastabas e pirâmides, para a posteridade.

Saiba mais:

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Referência: JUNIOR,Antonio Gasparetto. Escribas. Infoescola. Disponível em: https://www.infoescola.com/civilizacao-egipcia/escribas. Acesso em 18 de Dezembro de 2020.

Referência: WILSON,Hilary. Scribe Like an Egyptian. History Today,2019. Disponível em: https://www.historytoday.com/miscellanies/scribe-egyptian. Acesso em 18 de Dezembro de 2020.

Referência: Tesouros do Museu - Estátua de um escriba desconhecido. Facebook Museu Egípcio e Rosacruz,2020. Disponível em: https://www.facebook.com/museuegipcioerosacruz/posts/3078204715598289. Acesso em 19 de Dezembro de 2020.

Referência: Facebook Museu Egípcio e Rosacruz,2019. Disponível em: https://www.facebook.com/museuegipcioerosacruz/posts/2598122503606515. Acesso em 19 de Dezembro de 2020.

Referência: Scribes. Canadian Museum of History. Disponível em: https://www.historymuseum.ca/cmc/exhibitions/civil/egypt/egcw05e.html. Acesso em 19 de Dezembro de 2020.

Referência: Estátua de um escriba desconhecido. Museu Egípcio e RosaCruz Tutankhamon. Disponível em: http://museuegipcioerosacruz.org.br/o-escriba-desconhecido. Acesso em 19 de Dezembro de 2020.

Referência: Statuette of a Scribe. The Metropolitan Museum of Art New York. Disponível em: https://www.metmuseum.org/art/collection/search/544521. Acesso em 19 de Dezembro de 2020.

Referência: statue. The British Museum. Disponível em: https://www.britishmuseum.org/collection/object/Y_EA1514. Acesso em 19 de Dezembro de 2020.

Referência: scribal palette. The British Museum. Disponível em: https://www.britishmuseum.org/collection/object/Y_EA5512. Acesso em 19 de Dezembro de 2020.

Referência: scribal palette. The British Museum. Disponível em: https://www.britishmuseum.org/collection/object/Y_EA5513. Acesso em 19 de Dezembro de 2020.

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